Colniza, MT
‘Tenho medo de todo mundo’, diz mãe de assassinado em Colniza, cidade que já foi considerada a mais violenta do país
Por Pedro Sibahi
Ataque de seguranças armados ligados à fazenda de ex-deputado deixa um morto e nove feridos em região que foi palco de chacina em 2017
Semanas antes do assassinato de seu filho, Maria Ferreira de Jesus teve sonhos aterradores: em um deles, homens armados perseguiam Elizeu; em outro, chegou a ver o seu velório.
Ela andava preocupada, pedia para seu filho mais novo, Enock, não deixar Elizeu sozinho. A preocupação não foi suficiente para proteger seu primogênito da violência dos conflitos fundiários em Colniza, no Mato Grosso, que foi considerada, em 2007, a cidade mais violenta do Brasil pela Organização dos Estados Ibero-Americanos e palco de uma chacina em 2017, que deixou nove trabalhadores rurais mortos.
Em um sábado, 5 de janeiro de 2019, Elizeu Queres de Jesus foi assassinado na zona rural de Colniza durante um ataque realizado por seguranças da empresa Unifort – contratados pela Fazenda Agropecuária Bauru – contra moradores do acampamento da Associação Gleba União, movimento rural que luta por terras na região. Procurada pela Repórter Brasil, a Unifort não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Alvejado com nove tiros, Elizeu morreu no local. Outras nove pessoas ficaram feridas. Esse foi o primeiro ataque a trabalhadores sem-terra durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas não foi o primeiro ataque de seguranças armados a trabalhadores rurais. Além desse, ao menos dois dos 31 assassinatos no campo ocorridos em 2019, segundo relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), foram levados a cabo por seguranças contratados por fazendeiros.
No dia seguinte ao ataque, quatro seguranças foram presos em flagrante, porém, em menos de 24 horas, foram soltos pelo juiz Alexandre Sócrates Mendes, que alegou legítima defesa da propriedade e que “a tragédia se deu em virtude do comportamento abusivo e ilegal dos posseiros”.
Porém, o delegado responsável pelo caso, Alexandre Nazareth, afirmou na época do ataque ter descartado a tese de legítima defesa dos seguranças da fazenda. Mesmo assim, dois anos após o assassinato, o inquérito policial não foi concluído – e não houve denúncia apresentada ao Ministério Público. Questionada a respeito do caso, a Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso encaminhou a reportagem para a Polícia Judiciária Civil do estado, que não respondeu aos insistentes contatos. Procurado pela Repórter Brasil, o promotor de Colniza, Aldo Kawamura, afirmou apenas que o inquérito se encontra em fase final de investigação, sem fornecer mais informações.
Hoje eu tenho medo de todo mundo. Se alguém parar o carro na frente da minha casa, não atendo. Não vou e pronto
Mãe de Elizeu
A Fazenda Bauru é de propriedade do ex-deputado estadual José Geraldo Riva, tendo o ex-governador do Mato Grosso, Silval da Cunha Barbosa, como sócio. Em delação premiada realizada no ano de 2017, Silval afirmou que comprou a fazenda em parceria com Riva, mas abandonou temporariamente o negócio. Formalmente, a fazenda é administrada pela empresa Floresta Viva Exploração de Madeira e Terraplanagem, que está em nome de Janete Riva, esposa do ex-deputado. A reportagem entrou em contato com a administração da Fazenda Bauru, com os advogados de Riva e Barbosa e com a empresa Floresta Viva, mas não obteve respostas.
O terreno da fazenda, que possui 222 hectares, é alvo de disputas desde 2007, quando um grupo de famílias teria entrado em uma área da fazenda que não seria delimitada, começando a ocupação do local. Após disputas judiciais, a reintegração de posse a favor da Fazenda Bauru ocorreu em 2017. No ano seguinte, a Associação Gleba União realizou uma nova ocupação da área, com cerca de 200 pessoas. O grupo afirmava que não existia nenhum documento comprovando a posse por parte de Riva.
O Ministério Público Estadual alertou o governo de Mato Grosso sobre o risco de conflito armado na região – o mesmo foi feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso. Em novembro de 2018, o juiz Emerson Cajango determinou a desocupação da Fazenda Bauru. Desde então, as 126 famílias da associação deixaram a área e estavam acampadas a cerca de 7 km da fazenda.
Descrito como um homem pacífico e religioso, Elizeu passava a maior parte do tempo cuidando da família. Seu sonho era comprar uma caminhonete para levar a mãe até a igreja e em viagens como missionária. Maria conta que Elizeu “gostava de conversar do campo, sabia domar cavalo, sabia domar cachorro. Estava começando a fazer curso para trabalhar com energia elétrica. Era uma pessoa excelente. Não tinha inimizades”. A mãe conta que ele gostava de ouvir música gospel e não frequentava bares, nem ingeria álcool.
Elizeu conheceu o líder da Associação Gleba União, Derisvaldo Corrêa de Sá, na década de 1990, quando ambos moravam em Rondônia. Derisvaldo, que é mais conhecido como Baiano, conta que Elizeu e os pais se mudaram para Colniza no início dos anos 2000. Desde então, Elizeu trabalhava como pedreiro, mas sonhava mesmo era com um pedaço de terra.
Baiano sofreu diversas intimidações após a morte de Elizeu, incluindo disparos com arma de fogo contra sua residência e seu carro. Agora, comemora o avanço na demarcação de terras, que, segundo ele, deve destinar 20 mil hectares para 600 famílias e já tramita na Vara Agrária de Cuiabá.
Apesar da conquista, muitos seguem com medo. “A região de Colniza tem a lei do mais forte. Depois que assumi a associação, comecei a correr atrás, e com apoio da CPT, do Fórum de Direitos Humanos, fizemos muitas denúncias. Com isso, o pessoal deu uma afastada, mas continuamos sob ameaça. Essa semana mesmo recebi mensagem de que estão fazendo associação para me matar”, afirma Baiano.
A mãe de Elizeu também vive com medo. “Se com o Elizeu, que nunca ofendeu ninguém, tiveram coragem de fazer o que fizeram... Passo mal. É cansativo. Não sei se é por causa de terra, não sei quem fez isso. Hoje eu tenho medo de todo mundo. Se alguém parar o carro na frente da minha casa, não atendo. Não vou e pronto”.