Pedra Branca do Amapari, AP

O indígena que morreu ‘afogado’ com lesões no corpo

Por Maria Fernanda Ribeiro

Investigações foram arquivadas após o Ministério Público Federal concluir que foi um acidente; parentes contestam essa versão já que o corpo tinha lesões na cabeça e na região pélvica

O corpo do indígena Emyra Wajãpi, 69, foi encontrado em um córrego com lesões na cabeça e na região pélvica. Dias depois, rastros indicavam a presença de invasores na Terra Indígena Wajãpi, em Pedra Branca do Amapari (AP). Emyra pode ter sido mais uma vítima de um confronto entre garimpeiros ilegais e indígenas dentro do território. Contudo, seis meses após o crime, que aconteceu em dezembro de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) arquivou a investigação e concluiu: não houve conflito. Emyra morrera afogado.

“Essa conclusão não faz sentido pra nós, que estivemos lá e ouvimos os relatos dos indígenas. Ficou muito claro que houve um incidente, pois os indígenas estavam muito assustados”, afirmou o deputado federal Camilo Capiberibe (PSB), integrante da comitiva da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que esteve no território dias depois da morte de Emyra para verificar as circunstâncias de segurança e também as denúncias de invasões.

Uma pessoa que acompanhou de perto as investigações, mas que pediu anonimato, afirmou à Repórter Brasil que a morte de Emyra foi tratada pela própria comunidade, em um primeiro momento, como afogamento. No entanto, depois que identificaram a presença de invasores no território, passaram a considerar a possibilidade de crime. Emyra teria sido morto a facadas e as perfurações em seu corpo comprovariam isso, segundo os indígenas.

Essa conclusão [de afogamento] não faz sentido pra nós

Deputado Camilo Capiberibe que esteve na terra indígena poucos dias depois da morte – e antes dos policiais

“Emyra não era uma liderança ou uma referência política. Não era um guardião e possivelmente não era um alvo, mas pouco provável que ele tenha morrido afogado. Alguma coisa aconteceu”, disse a fonte próxima ao caso, que não quis se identificar.

De acordo com informações do MPF, a equipe de policiais – federais e militares – que esteve no local não encontrou indícios (pegadas, resquícios de acampamentos ou qualquer outra evidência) da presença de invasores.

Algumas situações, porém, dificultaram as investigações: o corpo do indígena foi encontrado em 23 de julho – um dia após ter desaparecido – e os policiais só chegaram ao território no dia 28. O corpo já estava enterrado e o local do crime não tinha sido preservado. Mesmo assim, foi feita uma varredura em um raio de dez metros e não foram encontradas marcas de sangue, sinais de luta corporal ou outros vestígios de violência, informou o MPF.

Em agosto de 2019, o corpo foi exumado. Segundo informações do MPF divulgadas à época, apenas lesões superficiais foram encontradas e os ferimentos não tinham relação com a causa da morte. Essas informações, aliadas a registros do local, indicavam que Emyra tinha tentado atravessar o rio caminhando por um tronco que ligava uma margem à outra, mas caiu e se afogou. Tudo foi um acidente, concluiu o órgão – versão confrontada por amigos e parentes.

Logo após a morte de Emyra e enquanto as investigações ainda eram realizadas no local, os Wajãpi continuaram a denunciar a presença de invasores no território. Em nota divulgada no dia 31 de julho, o Conselho das Aldeias Wajãpi informou que moradores de uma aldeia próxima às margens da BR-210 relataram a presença de um homem armado com espingarda próximo ao igarapé.

Com um histórico de invasão de garimpeiros desde a década de 1980, os indígenas criaram há mais de 20 anos o Programa de Vigilância e Fiscalização da TI Wajãpi; até hoje eles se organizam em grupos e fazem expedições regulares de monitoramento para proteger o território e impedir a entrada de pessoas de fora.

A Repórter Brasil solicitou ao Ministério Público Federal a íntegra do inquérito. "Quanto à íntegra do inquérito que tratou do caso, os autos são físicos e não estão mais na Procuradoria da República no Amapá. Foram remitidos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF para homologação do arquivamento", afirmou o órgão.

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