Rio Maria, PA
Ameaçado havia pelo menos 3 anos, sindicalista é executado na ‘terra da morte anunciada’
Por Daniela Penha
A cidade de Rio Maria, no Pará, é marcada pelo assassinato de sindicalistas que defendiam os trabalhadores rurais; Carlos Cabral denunciava a violência contra camponeses e a ação ilegal de garimpeiros e desmatadores em terra indígena
Desde que era criança, um medo constante acompanhava Daniella Canuto de Oliveira Pereira: o de perder o pai. Aos 31 anos, no dia 11 de junho de 2019, seu temor de infância tornou-se realidade. Quando chegou em casa, o pai estava morrendo na calçada. Foi o próprio filho de Daniella que lhe avisou que o avô havia sido baleado. “A gente sempre viveu com medo do que podia acontecer. Mas ele dizia: ‘Se eu não lutar pelas pessoas quem vai lutar?’.”
Carlos Cabral Pereira era um sindicalista histórico da região de Rio Maria, no Pará. A cidade ficou conhecida, na década de 1980, como "a terra da morte anunciada" por conta dos assassinatos em série de sindicalistas. Desde então, tal tragédia atravessa a família de Daniella. Na época, foi morto João Canuto, então presidente do sindicato e sogro de Cabral. “Aqui a impunidade impera. Todas as vezes que ocorre um crime, tudo caminha para que não se saiba quem foi”, conta Luzia Canuto, ex-mulher de Cabral, que também perdeu o pai e dois irmãos – todos assassinados.
Jana Canuto, também filha de Cabral, lembra da violência sofrida por sua família ao relatar a ameaça feita pelo fazendeiro Orcimar Arantes do Prado, em agosto de 2017. “Depois que ele apontou a arma para meu pai, apontou para mim. Disse que se eu o amasse não o deixava pisar lá em Apyterewa de novo, que ele não iria sair com os pés dele”.
Depois que ele apontou a arma para meu pai, apontou para mim
Desde 2011, Cabral vivia na Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA). Assentou trabalhadores rurais ali em concordância com os indígenas. Antes disso, ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria e se tornou um defensor da reforma agrária. De tanto testemunhar violência, chegou a fazer uma denúncia ao Ministério Público relatando assassinatos de trabalhadores e a ação ilegal de garimpeiros e desmatadores. Procurado pela reportagem, o MP não quis se pronunciar.
Cabral era ameaçado constantemente por fazendeiros como Orcimar, um dos suspeitos presos pela Polícia Civil dias após o assassinato. O fazendeiro Antônio Silvério dos Reis também foi preso, mas os dois foram soltos após 30 dias de prisão temporária. Um terceiro fazendeiro, Vicente Paulo Terenco, teve a prisão decretada, mas fugiu. Gilcimar Gomes dos Santos e Elizeu dos Santos Pereira também foram detidos com suspeita de participação no crime. Gilcimar, que também responde por crime de estupro de vulnerável, conseguiu liberdade provisória em setembro de 2019. A reportagem entrou em contato com Orcimar e Antônio, por meio de advogados, mas não obteve retorno. Os outros suspeitos não foram encontrados para comentar.
Nossa vida é marcada pela insegurança e pela impunidade
Luzia Canuto, ex-mulher de Cabral
Na época do assassinato, a Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Redenção (Deca), que investiga o caso, divulgou que a principal suspeita era a de que os fazendeiros seriam os responsáveis, motivados pelos conflitos em Apyterewa. Mais de um ano após o crime, entretanto, o inquérito segue sem conclusão.
A Repórter Brasil solicitou entrevista com o delegado responsável, Antônio Mororó Junior, além de enviar questionamentos sobre a apuração. Por meio de assessoria de imprensa, a Polícia Civil respondeu apenas que “a investigação segue em curso” e “uma série de medidas cautelares já foram adotadas, entre prisões temporárias e buscas e apreensões domiciliares”. Procurado, o Ministério Público não se pronunciou.
Sem respostas, o medo continua assombrando Luzia e as filhas de Cabral. “Nossa vida é marcada pela insegurança e pela impunidade”.