Manaus, AM

A ocupação indígena na periferia de Manaus dominada pelo medo - e pelo silêncio

Por Maria Fernanda Ribeiro

Em disputa de território entre indígenas e traficantes, três caciques foram assassinados em seis meses

Ali, o silêncio domina. Palavras como medo, insegurança e impunidade são as mais pronunciadas entre as poucas ditas pelos moradores da ocupação Cemitério dos Índios, na zona norte de Manaus (AM), onde três lideranças indígenas foram assassinadas no intervalo de seis meses.

Os assassinatos – que aconteceram entre fevereiro e agosto de 2019 – estão relacionados aos conflitos por território entre os indígenas e as facções Comando Vermelho e Família do Norte, que disputam entre si o controle sobre o tráfico de drogas. Os que são contra e os que resistem à entrada do narcotráfico morrem.

Foi assim com Francisco de Souza Pereira, cacique da etnia Tukano, morto aos 53 anos, em 27 de fevereiro de 2019. Ele foi assassinado a tiros em casa por três homens encapuzados, na frente da esposa e da filha.

No dia 13 de junho, foi a vez do cacique da etnia Mura, Willames Machado Alencar, 42. Ele foi executado com oito tiros. Onça Preta, como era conhecido, era liderança na comunidade e, dizem alguns, tinha expulsado o homem que o assassinou, pelo fato de ele ter envolvimento com o tráfico.

Menos de dois meses depois, no dia 6 de agosto, Carlos Alberto Oliveira de Souza, cacique da etnia Apurinã, 44, saiu para comprar pão pela manhã e foi atingido com dez tiros, também disparados por homens encapuzados.

O silêncio utilizado pelos moradores como escudo de proteção se repete na resposta da Polícia Civil sobre as investigações. A delegada Linda Gláucia, adjunta da Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS) do Amazonas, e responsável pelas ocorrências registradas na zona norte da Manaus, afirmou que as investigações seguem em andamento e que mais informações sobre o caso não podem ser repassadas “no momento.”

O Cemitério dos Índios é um caso crítico de uma comunidade indígena instalada em assentamentos nas periferias e que foi dominada pelo tráfico de drogas e pela disputa de território entre facções

De acordo com lideranças indígenas em contexto urbano da cidade de Manaus, que não quiseram se identificar por medo de represálias, o

Cemitério dos Índios é um caso crítico de uma comunidade indígena instalada em assentamentos nas periferias e que foi dominada pelo tráfico de drogas e pela disputa de território entre facções. “O tráfico domina ali e quem é contra, briga ou denuncia, eles matam. Por isso, ninguém fala.” O clima, afirmam, é de medo e terror.

Em 2018, a Arquidiocese de Manaus fez uma tentativa frustrada de entrar na comunidade em busca de espaço para o trabalho da Pastoral Indigenista. “Mas logo nos advertiram que era muito perigoso. Então, nem começamos nada”, afirmou um padre que preferiu o anonimato.

O nome Cemitério dos Índios é referência a um dos maiores sítios arqueológicos da América Latina e onde justamente os moradores ergueram suas casas. Mas, se depender do Ministério Público Federal (MPF), a ocupação tem prazo de duração. O órgão entrou com uma ação civil pública na Justiça, em setembro de 2018, para garantir a proteção do sítio arqueológico e, para isso, pediu que a área seja desocupada. O cumprimento da reintegração, de acordo com o MPF, é iminente, pois a permanência dos indígenas no local traz risco de danos ao patrimônio. Os indígenas reivindicam direitos ancestrais sobre o território.

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