Nova Viçosa, BA

O assassinato brutal de uma ambientalista no sul da Bahia

Por Joana Suarez

Família de Rosane, cujo corpo foi encontrado com marcas de tortura, contesta denúncia dos órgãos investigadores de que crime teria sido latrocínio; ambientalista sofria ameaças por denunciar ilegalidades em reserva ambiental

Em dezembro de 2018, Rosane Santiago Silveira foi passar o Natal com os filhos em Minas Gerais. Já demonstrava preocupação diante das ameaças que recebia, mas não sabia que aquela seria sua última confraternização em família. Em 29 de janeiro de 2019, três dias depois de seu aniversário de 59 anos, Rosane foi brutalmente assassinada.

Seu corpo foi encontrado em sua casa, em Nova Viçosa, no sul da Bahia, com os pés e mãos amarrados e feridos – sinal de que ela lutou para se defender –, e um pano em volta do pescoço, indício de estrangulamento. Foi esfaqueada no ombro e no pescoço e levou um tiro na cabeça, provavelmente disparado pelas costas.

Apesar de o caso ter sido tratado pela Polícia Civil como latrocínio, pouco foi levado de sua casa. Rosane morava em uma casa simples, onde estavam seu celular e um notebook – apenas o primeiro foi “roubado”. Alexandre Ferreira Vieira chegou a confessar o crime, disse que a matou porque precisava de dinheiro. O inquérito foi então concluído, a promotoria denunciou à Justiça e Vieira vai a julgamento. A família, no entanto, não concorda com o desfecho do caso e chegou a apresentar questionamentos formais aos órgãos investigadores.

Além de pouco ter sido roubado de sua casa, Rosane sofria ameaças – boletins de ocorrência confirmam as perseguições por ela vividas. Há 18 anos em Nova Viçosa, a ambientalista lutava contra a plantação e o transporte fluvial de eucalipto dentro da área de proteção. Como ativista ambiental, ela denunciou mais de uma vez a degradação que a monocultura gerava ao manguezal, ameaçado de extinção, com dragagem dos rios e morte da fauna e da flora.

Conhecida como Rô Conceição, lutava para criar uma associação de proteção da área da Reserva Extrativista de Cassurubá, e denunciava exploração predatória nos conselhos locais e regionais.

Boletins de ocorrência confirmam as ameaças sofridas por Rosane, que lutava contra a plantação e o transporte fluvial de eucalipto dentro da área de proteção ambiental

Apesar de ser uma cidade pequena, de menos de 50 mil habitantes, Nova Viçosa tem histórico de assassinatos “misteriosos”. Em 2016, o corpo de um jovem de 23 anos foi encontrado amarrado e baleado em uma plantação de eucaliptos. Cena semelhante se repetiu em agosto de 2020: o corpo de um homem foi encontrado em meio a uma plantação de eucalipto no bairro Portela, em Posto da Mata, distrito de Nova Viçosa.

‘Nada foi feito’

"Minha mãe sabia de muita coisa", afirmou à Repórter Brasil a filha mais velha de Rosane, Lyra Santiago, de 37 anos. Ela foi a primeira a receber a notícia do assassinato em Belo Horizonte e, imediatamente, seguiu para a Bahia com os irmãos. O corpo da mãe foi visto pelos dois filhos homens. Lyra não quis ver. O que ela preferiu guardar foi a postura sempre lutadora da mãe por causas humanitárias e ambientais.

"A gente fica muito sentido, revoltado, porque tiveram várias denúncias da minha mãe e nada foi feito", disse Lyra, salientando que algumas lutas de Rosane estão hoje sem defesa.

A família denuncia ainda falhas na investigação. No dia do assassinato, não houve peritos no local do crime. Deputadas da Bahia se pronunciaram contra o rumo das investigações e, somente 20 dias depois do assassinato, finalmente uma perícia foi realizada.

As pessoas na região sentem muito medo. Moradores que foram contatados evitaram falar sobre a morte de Rosane – como se o assassinato brutal tivesse cumprido o papel de assustar e afastar outros defensores.

A reportagem procurou o Ministério Público da Bahia, mas não obteve respostas sobre esse caso. Os advogados do réu que confessou o crime não foram encontrados. A Polícia Civil da Bahia informou que “durante a investigação, não foram encontrados indícios de outra motivação ou participação de mais pessoas no episódio”. A família, porém, entende que outras pessoas da região tinham interesse na morte de Rosane.

Os filhos divulgaram um diálogo de Rosane com um amigo, registrado em áudio: “Eu vim pra reflorestar tudo aqui de árvore, mas não eu sozinha. Não estou aqui para impor nada. Realmente, eles nunca quiseram saber de montar associação, mas vamos precisar se quisermos fazer alguma coisa. Há 22 anos tento montar a associação…. Se tivesse [associação], a Barra Velha já estaria maravilhosa. Mas graças a Deus estamos vivos e ainda podemos fazer”.

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