Valinhos, SP

Um assassinato em meio a muito ódio: a história de resistência do acampamento Marielle Vive!

Por Gisele Lobato

Sem-terra de 72 anos morreu atropelado enquanto participava de manifestação em acampamento do MST no interior de São Paulo; lideranças denunciam preconceito e crime de ódio

“Às vezes o caminhão-pipa demora dias para vir. Eles preferem lavar calçadas a fornecer água ao acampamento”, afirma Gerson Oliveira, da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O descaso da água que falta para os moradores do acampamento Marielle Vive!, em Valinhos (MT), mas que sobra para a vizinhança rica, resume bem o pano de fundo do assassinato do sem-terra Luis Ferreira da Costa, em 18 de julho de 2019.

Luis, que tinha 72 anos, participava de um protesto pelo abastecimento de água, em frente ao Marielle Vive!, quando foi atropelado por uma caminhonete Hylux atirada sobre os manifestantes por Leo Luiz Ribeiro, que fugiu sem prestar socorro. Após ser identificado por câmeras de vigilância, o motorista foi detido em sua casa e confessou o crime.

O ataque que vitimou Luis foi o mais grave desde a instalação do acampamento na zona rural de Valinhos, em 2018, mas não o único: a ocupação costuma ser alvo da hostilidade de grupos de classe média alta que moram em condomínios vizinhos. “É uma região muito sensível à ideologia do ódio. Alguns fazem xingamentos, gestos com as mãos. Já tivemos o caso de pessoas pararem em frente ao acampamento e darem tiros ou soltarem rojões para intimidar”, relata Oliveira. O MST também acusa o poder público de adotar medidas para dificultar a vida no acampamento. O transporte escolar das crianças e o atendimento dos moradores nos postos de saúde de Valinhos só foram garantidos após liminar da Justiça.

Júri popular?

Ribeiro, de 62 anos, foi denunciado pela Promotoria de Justiça de Valinhos em agosto do ano passado e ficou preso até dezembro daquele ano, quando recebeu um habeas corpus. Por ser réu primário e ter residência fixa e emprego lícito, aguarda o julgamento em liberdade.

O advogado do motorista que assassinou o sem-terra e a assessoria de imprensa da Prefeitura de Valinhos não responderam os contatos da reportagem.

Agora a Justiça deverá decidir se o caso vai ou não a júri popular, possibilidade que preocupa o MST. “No júri popular, há uma grande chance de ele ser absolvido”, afirma Oliveira. O coordenador afirma que a impunidade é “padrão quando se mata um camponês”. Além do assassinato do sem-terra, Ribeiro é réu pelas tentativas de homicídio de um jornalista ferido e dos cerca de 200 manifestantes que correram riscos quando jogou sua caminhonete contra a multidão.

A ocupação costuma ser alvo da hostilidade de grupos de classe média alta que moram em condomínios vizinhos.

O acampamento Marielle Vive! foi criado em 14 de abril de 2018, quando cerca de 700 famílias da periferia de Campinas ocuparam um terreno pertencente à empresa Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários. O MST argumenta que a área não cumpria sua função social e era usada para especulação imobiliária. A empresa contesta. Procurada pela reportagem, por meio de seus advogados, a Fazenda Eldorado declarou que “a área invadida não é improdutiva e cumpre sua função social”. Também informou que era utilizada para pecuária “conforme comprovado perante a Justiça” e que se trata de “área de preservação permanente”.

Pai de oito filhos e separado, Luis tinha se aposentado após anos na construção civil e se juntou ao MST assim que soube do acampamento. De origem rural, viu no movimento a possibilidade de retomar as raízes que abandonou ao migrar para São Paulo. “Apesar de seu espaço ser pequeno, ele cultivava abóbora, quiabo, feijão guandu e milho”, conta Oliveira. O sem-terra também usava seus dotes na construção das infraestruturas coletivas. “Ele ajudou na reforma da escolinha na qual depois passou a estudar. Estava muito feliz por aprender a ler e escrever.” Uma escola do acampamento leva hoje o nome do aluno assassinado.

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